A primeira atitude fundamental para sair de qualquer poço é ter senso da realidade: enxergar nem mais nem menos. Quando falta o senso de realidade, a esperança degenera em ilusão e o arrependimento se transforma em desespero. Porém, desenvolver o senso de realidade é um exercício constante, é tarefa de todos os dias.
A chamada história dos discípulos de Emaús (Lucas 24, 13-35) nos oferece um itinerário valioso sobre como superar a sensação de estar no fundo do poço. É um guia em três etapas: desabafo, confronto e memória.
Mas as três etapas exigem um senso de realidade a partir da fé: tem momentos que parecemos estar sozinhos, abandonados ou distantes do olhar de Deus. Mas ocorre o contrário: Ele caminha conosco, mas somos nós que estamos como que cegos (cf. Lc 24, 15-16).
Talvez essa primeira ideia que serve de orientação de fundo exija de nós uma oração:
Senhor, neste momento não consigo enxergar sua presença.
O medo, a decepção e a tristeza fecharam meu olhar, impedem meu entendimento, ferem minha percepção.
Eu te peço, Senhor, faça-me enxergar tua Presença, ver que caminhas comigo e nunca me abandonas.
Superar o sufocamento da Palavra
A primeira etapa do nosso itinerário começa quando Jesus provoca os discípulos que voltavam para casa decepcionados com os fatos (Ver Lc 24, 17-24). É muito interessante como ao serem perguntados sobre o que conversavam pelo caminho eles conseguem relatar com muito detalhe. Falam dos fatos e das expectativas, falam dos acontecimentos e também das desilusões. O evangelho nos mostra dois discípulos muito capazes de dar palavras à sua angústia.
Vivemos a época do sufocamento da palavra. Abreviamos a palavras e os meios de comunicação exigem cada vez mais que as palavras sejam reduzidas. Muitos meios de comunicação e pouca generosidade no expor a si mesmo. Se olharmos os Salmos, grande coleção de orações na Bíblia, ficaríamos impressionados como o salmista consegue dar palavras aos seus sentimentos, às suas preocupações, às suas decepções. É verdade que vemos e lemos todos os dias verdadeiras avalanches de “desabafos e indiretas” pela internet, mas geralmente são superficiais porque há mais desejo de chamar a atenção ou atacar do que encontrar um caminho de superar os conflitos.
Em termos práticos: consigo de verdade descrever o que me sufoca na garganta? Consigo dizer a mim mesmo o que provoca em mim tanta ansiedade? Quais são meus medos escondidos? Quais são minhas angústias não confessadas?
Confrontar nossa vida com a Palavra
A segunda etapa começa com uma repreensão engraçada da parte de Jesus quando os chama de burros e lerdos (ops! sem inteligência e lentos... cf. Lc 24, 25-27). Por que falar de burrice e de lerdeza? Porque não basta conhecer o que angustia o coração, não basta saber recitar a ladainha de todas as aflições é necessário também confrontar nossa vida com a Palavra de Deus. Aqui talvez more metade da nossa pobreza espiritual: não sabemos olhar nossa vida no espelho da Palavra de Deus. Sabemos repetir trechos de músicas, frases de artistas e personagens de novela, mas não sabemos ler nossa vida à luz da Palavra de Deus. Jesus mostra que tudo que se passou com o Cristo era iluminado pela Palavra.
Meditar a Palavra de Deus e principalmente os Evangelhos é como vacinar-se. Um antídoto se instala em nós e quando precisamos ele nos protege ou pelo menos diminui o impacto do elemento que poderia nos prejudicar. Não adianta dizer que a Palavra de Deus não é acessível... Você que está lendo esse site tem acesso à internet, talvez até esteja lendo pelo seu celular. Temos inúmeros aplicativos que permitem ler e meditar todos os dias a Palavra de Deus.
Ninguém precisa ler longuíssimos trechos. A Palavra de Deus pode ser acolhida em doses medicinais. Assim como ninguém consome um quilo de algum remédio, mas apenas alguns miligramas, basta um versículo meditado para nos dar luz nas horas mais angustiantes...
Conservar a memória da Aliança
Finalmente, a terceira etapa consiste em conservar a memória da aliança. Na terceira parte do texto de são Lucas, os discípulos convidam Jesus para ficar com eles (cf. Lc 24, 28-32). Quando Jesus entra para cear com eles, toma a iniciativa: toma o pão, abençoa-o, parte-o e o distribui! Jesus havia dito aos discípulos que quando estivessem reunidos em seu Nome Ele estaria com eles... também havia dito que fizessem isso em sua memória...
A vida se torna pesada, mesmo insuportável enquanto achamos que estamos sozinhos. Mas é Jesus que caminha conosco, ouve nossas decepções, Ele nos ilumina com sua Palavra e também nos fortalece com seu corpo e sangue.
Frequentemente nos sentimos derrotados porque nos sufocamos, porque não confrontamos nossa vida com a Palavra e esquecemos que seu corpo e sangue são alimentos para nossa caminhada. Assim, aqueles que estavam tristes voltando para casa, retornam a Jerusalém para testemunhar que se encontraram com o Ressuscitado. Mas olha o engraçado: antes mesmo que falem, os outros lhes confirmam: É verdade! O Senhor ressuscitou e apareceu a Simão! Jesus se mostra a todos os discípulos. Nenhum está sozinho em suas lutas.
Rezemos:
Senhor Jesus, renova em mim a fé, a esperança e a caridade.
Ensina-me a colocar minha vida diante de Ti.
Minhas imperfeições e esperança, meus medos e propósitos, minhas decepções e alegrias.
Que Teu Evangelho brilhe sempre sobre mim, sobre minha vida.
Me ensina, querido Jesus a contemplar no Teu Evangelho uma Palavra a iluminar minha vida.
Refaça minhas forças na Eucaristia.
Que eu receba Teu corpo como alimento para minha caminha e Teu sangue como sinal de purificação e vida nova.
Amém!
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