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Há limite para o perdão? O que Jesus nos ensina?

Em várias situações da vida nos deparamos com questionamentos pessoais que tocam ou até mesmo parecem ir contra os valores fundamentais da vida cristã. Uma delas é quando nos deparamos com situações que exigem tolerância, perdão e convivência que parecem estar acima das nossas forças ou condições. Perdoar é permanecer numa situação que me causa mal?


Libertar-se para libertar o outro

O perdão é antes de tudo libertação de si mesmo da raiva e do desejo de vingança.

O contrário do perdão não é a lembrança do mal sofrido, até porque boa memória é sinal de saúde. É verdade que alimentar a recordação ruim também não é uma boa experiência.

O contrário do perdão é a raiva que se condensa em ira, é o desejo de vingança que sempre acrescenta ainda mais mal ao mal recebido. A raiva é emoção, é a primeira resposta possível quando nos fazem mal. A ira tende mais a fazer sofrer quem a sente do que aquele que é seu objeto. Quantos de nós não já fizemos coisas na hora da ira e que depois só podemos lamentar e nos arrepender?!

O desejo de vingança, se alimentado, nos torna semelhantes ao nosso agressor mesmo que não a executemos. No desejo de vingança nosso inimigo nos visita, nos acompanha, permanece conosco. Sem um bom entendimento sobre isso nos atolamos na lama da mágoa, do rancor e ainda nos sufocamos no sentimento de vergonha.

 

O limite do perdão não é uma conta, mas uma perspectiva

Quando Pedro pergunta a Jesus se devemos perdoar nosso ofensor sete vezes, Jesus responde que não somente sete, mas “até setenta e sete vezes” (cf. Mt 18,21-35) [Há traduções que trazem setenta vezes sete]. Chama a atenção que há limite, ainda que pareça tão grande...

Porém, poucos se dão conta da parábola que segue e nela Jesus mostra que o limite para o perdão não é uma conta, mas uma perspectiva de avaliação de si mesmo. Na sequência, a parábola fala de dois devedores. Um devia dez mil talentos, outro devia cem denários.

Essas dívidas não podem passar em branco. Um talento equivalia a mais ou menos 35 kg de ouro. Comparado com denários, equivaleria a 100 milhões de denários. Um denário era o valor pago por uma diária de trabalho. Presta atenção: o segundo devia cem dias de trabalho. O primeiro devia 100 milhões de dias de trabalho. Há uma desproporção imensa que às vezes escapa da nossa meditação.

O cuidado que Jesus orienta seus discípulos a terem é que há muitas dívidas que são negociáveis, são reorganizáveis. Seria uma pena se nós tendo recebido perdão por uma dívida de cem milhões de talentos saíssemos aí implacáveis com que nos deve cem denários.

Se você perceber, o problema não é a conta, mas a perspectiva. Não se trata do montante da dívida, mas da atitude diante do devedor ou ofensor.

 

Perdoar: continuar juntos ou seguir caminhos diferentes?

Considere a dificuldade de responder a essa pergunta sem que eu pareça uma cartomante... Eu não sei exatamente qual seja a situação em que essa sua pergunta é feita por você, por isso, mais do que uma resposta para você aprender e copiar, espero que você use para refletir, avaliar e discernir o que você realmente precisa fazer. Combinado?

  • Há situações em que o perdão é sim uma retomada do que havia antes e pode ainda mais intensificar os laços. Pense no perdão de Jesus a Pedro naquele lindo diálogo nas margens do lago de Tiberíades (cf. Jo 21,1-23). Ali foi um momento em que Jesus ressuscitado liberta Pedro da angústia de o ter negado quando interrogado se o conhecia.

  • Mas também encontramos situações em que o discernimento é muito claro: é melhor que após o perdão cada um siga seu próprio caminho e um não seja para o outro possibilidade de novo pecado. Vemos essa possibilidade em Atos dos Apóstolos (15, 36-40) após a desavença entre Paulo e Barnabé. De que adianta continuar juntos a caminhada se isso significar a possibilidade de novas ofensas?

  • Finalmente, podemos compreender melhor um dos pedidos da oração do Pai-nosso: “perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.” Pai, perdoa nossos pecados, assim como nós perdoamos, como nós não alimentamos em nós o desejo de vingança, assim como nós não queremos devolver ao outro o mal que nos fizeram. Se vamos seguir juntos com nossos ofensores ou não, aí é um processo bastante sério de discernimento e crescimento espiritual.

Gostaria que eu abordasse mais sobre este tema? Deixa alguma pergunta nos comentários do blog. Isso me ajuda bastante a preparar novos textos como esse.

Muito obrigado pela sua leitura. Deus abençoe!



Padre Cleiton Viana da Silva é presbítero da Diocese de Mogi das Cruzes (SP), doutor em teologia moral pela Academia Afonsiana (Roma), mestre em bioética pelo Centro Universitário São Camilo, especialista em marketing e mídias digitais pela FGV, professor de teologia na Faculdade Paulo VI, autor por Editora Paulinas e ministra cursos presenciais e on-line. Conheça seus próximos cursos e atividades. Clique aqui.
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