Vivemos uma situação bastante dolorosa para nossa Igreja. Estamos às portas da celebração da Páscoa do Senhor, precedida pela Semana Santa, mas na maioria dos municípios do nosso país temos a restrição quase total da participação do nosso povo. Assim, muitos dos elementos litúrgicos e populares que estamos tão acostumados não poderão acontecer.
O Vaticano, a CNBB e nossas dioceses já se prontificaram oferecendo algumas dicas e sugestões. A grande pergunta que nos fazemos é esta: como nós católicos devemos nos posicionar, o que podemos refletir sobre isso?
As restrições nos afastam do amor de Deus?
A primeira coisa que jamais podemos esquecer é que nossa fé se baseia na encarnação do Verbo: Deus, na sua grandeza e amor, se esvazia para entrar em nossa condição humana. São Paulo diz: que Ele “se despojou...” (Cf Fl 2,7) Deus quis estar com seu povo, viver a vida e as condições de seu povo e nessas condições salvar, libertar esse povo do seu pecado e do grande inimigo, que é a morte.
Se acreditamos nisso, a encarnação do Verbo é para nós um consolo nesse momento em que várias realidades preciosíssimas nos são tiradas: a celebração com o povo, as procissões, as aspersões comunitárias, o abraço da paz, o rito do lava-pés...
Ele é o Emanuel, é o Deus conosco e nada pode nos separar dele. São Paulo ainda poderia acrescentar: “Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, os perigos, a espada?” (Rm 8, 35) A pandemia? As restrições estaduais ou municipais? “Mas em tudo isto somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou.” (Rm 8, 37).
Por que são Paulo tem essa certeza? Ao falar do batismo, ele revela o que há de mais profundo na vida cristã: porque nos tornamos uma coisa só com ele por morte semelhante à sua! (Cf. Rm 6,5). A expressão grega que ele usa para dizer que nos tornamos uma coisa só com ele é a palavra exertar. O batismo nos enxertou na vida de Cristo Jesus.
Podem as autoridades limitar a liberdade da Igreja expressar publicamente sua fé?
Alguns católicos se angustiam porque, com maior ou menor justificativa, temem que as autoridades estejam pesando a mão sobre as igrejas e religiões na sua liberdade de culto público. Essa dúvida no curto prazo vai ser muito difícil de responder, mas podemos nos perguntar o que nos motiva a acatar essas restrições: a simples ordem da autoridade ou a consciência de que as aglomerações são de fato um risco para o próximo?
É inegável que as aglomerações são um risco. E quem imagina que esse risco seria como um martírio e, portanto, um grande sinal de fé deveria ler a tentação em que satanás diz ao Senhor para se jogar do alto do templo, para que se arriscasse e deixasse Deus mostrar o quanto Ele era o filho amado, que seria protegido. Vocês conhecem bem a resposta e a atitude de Jesus: não se pode tentar a Deus. Nem o Filho de Deus pulou. (Cf. Mt 4, 1-17)
E a minha liberdade pessoal, não tenho direito de fazer o que eu julgo melhor para alimentar minha fé?
Esse é outro ponto importante e que uma boa meditação da Palavra de Deus também ajudaria. No tempo de são Paulo surgiu uma contenda na comunidade de Corinto sobre as carnes sacrificadas aos ídolos. Alguns entendiam que como os ídolos não existem, não seria problema comer dessas carnes vendidas nos “açougues” da saída dos templos pagãos. Já outros irmãos se escandalizavam com essa atitude.
São Paulo responde de maneira muito simples e contundente àqueles que levantavam o seu direito à sua liberdade de consciência: “tomai cuidado para que essa vossa liberdade não se torne ocasião de queda para os fracos.” (Cf. 1Cor 8) Se há risco que a minha liberdade prejudique o outro, insistir na minha liberdade é faltar com a caridade.
Nos nossos dias, talvez Paulo nos responderia:
é verdade que você é livre para circular e se aglomerar para rezar junto com seus irmãos, mas essa aglomeração pode ser tornar ocasião de escândalo. Você não está sendo livre, mas egoísta, se na expressão da sua liberdade falta a caridade com o próximo. Assumir risco desnecessário contra a sua vida é tentar a Deus, e assumir risco desnecessário contra o próximo é faltar com a caridade.
Assim, queridos irmãos e irmãs, se as restrições não podem nos afastar do amor de Deus, se obedecemos às normas das autoridades não por obediência cega e sim pelo cuidado com o próximo e se não queremos que nossa liberdade seja expressão de um egoísmo escandaloso, saibamos viver a semana santa dentro das condições que temos, com as possibilidades que estão ao nosso alcance.
Que Deus nos abençoe, proteja e nos ajude a vencer quanto antes essa pandemia e a pandemia do egoísmo, da injustiça e do pecado.
Padre Cleiton Silva, sacerdote da Diocese de Mogi das Cruzes/SP, é doutor em teologia moral pela Academia Afonsiana/Roma, tem pós-graduação em marketing e mídias digitais pela FGV, é professor na Faculdade Paulo VI, autor pela Editora Paulinas dos livros “Coração Inquieto – zaps a Lucílio, Tibúrcio e Eugênia” e “Confessar – O quê? Por quê? Como” e tem também outras publicações independentes como “Empreenda com fé – chave espiritual para empreendedores” e “Seu 1º livro – da ideia inicial ao plano de marketing”. Instagram @padrecleitonsilva
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