Certa vez fui chamado a visitar um jovem que desejava morrer. Sua família estava assustada porque ele dizia que desejava morrer quanto antes, sua vida tinha perdido o sentido e dizia isso abertamente (*A história é um caso de laboratório, misturando fatos e ficção...). Quando cheguei, pedi que ele se abrisse e me contasse as coisas que se passavam. A lista era básica: em menos de um semestre um grande amigo morreu, perdeu o emprego, acidentou-se pouco tempo depois e a namorada o deixara por causa de outro...
O amigo que morreu era jovem, recém casado; a demissão foi motivada por intrigas no ambiente de trabalho, uma situação de muita injustiça; as sequelas do acidente o acompanhariam pelo menos por muito tempo, antes que uma reabilitação fosse possível; e a namorada era namorada desde o tempo da adolescência, praticamente toda sua memória girava em torno dela.
Quando ele terminou a narração, eu ainda resolvi perguntar sobre futebol... e ele era corinthiano... eu disse: sendo corinthiano, não está acostumado a ser sofredor?! Sei que a minha pergunta pode parecer a alguns insensível ou desnecessária, mas provocou nele um riso e depois um gancho para outras reflexões. Voltaremos a isso mais tarde.
A Bíblia nos oferece histórias semelhantes. Penso, por exemplo, a longa oração de Tobit e de Sara (cf. Tobias 3). Tobit era um homem de alto nível de fé e de justiça, era capaz de atrasar a própria refeição para fazer a caridade, no entanto, viu acumular ao redor de si desventura, sofrimento e escárnio. Sua esposa chega a dizer-lhe: “Onde estão tuas esmolas? Onde estão as tuas boas obras? Todos sabem o que isso te acarretou!” (Tb 2, 14)
Sara, por sua vez, tendo sido casada sete vezes sem conseguir ultrapassar sequer a noite de núpcias, visto que o demônio Asmodeu assassinava seus maridos, também deseja morrer. Sara até mesmo sobe ao quarto do pai pensando em se enforcar (cf. Tb 3,10), mas considerando a bondade do seu pai Raguel e a vergonha que lhe seria fatal, desiste e se coloca a rezar.
Ambos pedem a Deus a própria morte: “Digna-te retirar-me a vida... deixa-me partir para a morada eterna... pois é melhor morrer do que passar a vida aguentando um mal inexorável...”, diz Tobit. Sara também implora a própria morte dizendo: “...por que eu ainda deveria viver? ... se não te apraz, Senhor, dar-me a morte, olha-me com compaixão!”
Ambos fazem a experiência de descer ao fundo do poço da existência: as relações estão abaladas, os bens materiais não podem resolver sua angústia, a fé parece sem sentido; trata-se de um profundo sentimento de abandono, de vazio, de desespero.
Certamente é providência de Deus termos essas duas histórias na Bíblia e ver que é sempre possível perder o rumo, desorientar-se e cair no desespero. Mas algo deve ainda ser mencionado: o texto que concluí as orações destes dois diz o seguinte: “Naquele instante, na Glória de Deus, foi ouvida a oração de ambos e foi enviado Rafael para curar os dois...” (Tb 3,16). Eles fazem sua oração, ela será ouvida por Deus, mas eles não sabem nada disso: nem que serão ouvidos, menos ainda quando as coisas se resolverão. Devem ainda prosseguir seus passos, imaginando-se talvez sozinhos, falando ao vazio.
Quando eles rezam, colocam tudo nas mãos de Deus: colocam até mesmo o desejo de morrer, mas caberá a Deus decidir. Quando eles rezaram, não caiu do céu um PROTOCOLO dizendo: notificamos que a oração nº tal/data/hora será atendida em 15 dias úteis; havendo atraso comunicar central de serviços... Esse é um aspecto importante da oração: rezamos e não podemos exigir garantias, mas devemos apenas nos abandonar em Deus.
Voltando ao nosso amigo corinthiano... Nossa conversa prosseguiu assim... Depois dele rir eu fiz outras perguntas pra ele: Desde o dia do acidente, teve melhoras e pioras na sua situação? Em relação a seu amigo falecido, houve momentos em que vocês se afastaram ou até mesmo se desentenderam? Quanto a sua namorada, houve momentos em que você pensou em outras ou até teve vontade de conhecer alguma outra, terminar o namoro? Sobre seu emprego, com 22 anos você realmente acreditava que se aposentaria naquela empresa?
É óbvio que todas essas perguntas ajudavam que ele percebesse que tudo o que mais amamos tem certo valor relativo: amamos os amigos, mas há momentos que estamos mais perto ou longe, podemos nos desentender em vários aspectos; um relacionamento pode ser uma alegria, mas também nos cansamos e às vezes até desejamos outro relacionamento; vida profissional sempre supõe mudanças; a saúde é um vai e vem...
Porém, para ele, naquele momento, todas as coisas coincidiam num curto período, num momento em que vários fatores da vida estavam abalados. Olhando com certa reflexão, cada uma daquelas situações poderiam ser superadas.
Eu indiquei que nos próximos dias ele observasse as mudanças de pensamento e sentimentos à medida que ele mesmo fosse vendo como a vida é cheia de altos e baixos. Com o tempo, o pensamento desse rapaz se modificou completamente... tudo passa... só Deus basta, como diz santa Teresa d’Ávila.
Agora podemos voltar à pergunta: é pecado desejar a própria morte? Certamente tudo o que foi dito deixa claro que atrás do desejo de morrer frequentemente está instalado o medo, os abalos psicológicos, a insegurança; tal desejo é algo que nos afeta, fere-nos e por isso merece atenção. Quem diz desejar a própria morte, antes que seja considerado um pecador por causa disso deve ser considerado um sofredor em estado de agonia. Porém é necessário buscar saída, seja na oração, seja num acompanhamento psicológico.
Encerro convidando a rezar com santa Teresa d’Ávila:
Nada te perturbe, Nada te espante.
Tudo passa. Só Deus permanece.
A paciência tudo alcança.
Quem a Deus tem, nada lhe falta:
Só Deus basta.
Eleva o pensamento. Ao céu sobe.
Por nada te angusties. Nada te perturbe.
A Jesus Cristo segue, com grande entrega,
E, venha o que vier, nada te espante.
Vês a glória do mundo? É glória vã;
Nada tem de estável, tudo passa.
Deseje as coisas celestes, que sempre duram;
Fiel e rico em promessas, Deus não muda.
Ama-o como merece, Bondade Imensa;
Quem a Deus tem, mesmo que passe por momentos difíceis;
Sendo Deus o seu tesouro, nada lhe falta.
SÓ DEUS BASTA!”
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