Conviver bem em família: a arte de identificar e limpar nossas lentes

Nossa família é lugar da alegria, da tranquilidade e do conforto, mas pode ser também o lugar da angústia, da exposição ou da solidão. Quem nunca experimentou isso na sua própria casa, cercado pelas suas pessoas mais importantes da vida?

Somos porcos-espinhos convivendo

Todos conhecemos bem a metáfora da convivência como a tarefa de suportar os espinhos do outro, como se todos fôssemos um porco espinho enfrentando o desafio de sobreviver diante do frio da solidão: ou mantemos nosso conforto de não ser agredidos, mas morremos, ou treinamos nossa capacidade de tolerar os espinhos do outro e sobrevivemos ao frio da existência.

Entre os grandes desafios da vida em família, precisamos aceitar que não sabemos escutar. Da escuta despreparada nascem todos os desentendimentos. Os desentendimentos fomentam as distâncias e os silêncios e estes fazem distorcer mais ainda o modo como acolhemos, escutamos e convivemos com o outro.

Limpando as lentes dos óculos

Reconhecer nossas lentes: passo fundamental para a boa convivência

O primeiro passo para superar essas dificuldades é aceitar que todos nós temos lentes pelas quais vemos, compreendemos e amamos a realidade. Cada coisa é percebida pelo outro de uma maneira. Em um feriado, ficar em casa para você não é percebido da mesma forma que para seu cônjuge. Um pode ver no ficar em casa um alívio para descansar e se recompor, o outro pode ver nisso uma derrota, um dia cinza.

As lentes não são racionais. As lentes têm história longa que nem sempre sabemos explicar. Por que alguém gosta disso ou daquilo? Por que alguém se incomoda com isso ou aquilo? Tudo isso é muito difícil de explicar. Talvez impossível. Mas o que é possível é buscar dialogar, escutar o que o outro tem a dizer e cuidar muito para acolher o que o outro diz sem cair no julgamento, deboche ou indiferença.

Quando passamos a compreender que todos nós temos lentes e elas operam o tempo todo nos damos conta de como cada um é único e conviver bem é realmente um desafio. Conviver bem não é impossibilidade, mas um grande desafio que passa pelo esforço de tentar colocar-se no lugar do outro além das feridas que o outro tenha causado a mim.

Sem autoconhecimento e conhecimento do outro conviver bem é impossível

Conhecer nossas lentes permite até mesmo limpá-las um pouco e deixar as coisas fluírem um pouco melhor. Quando eu percebo que para mim algo é tão essencial, enquanto para o outro nem é uma questão, pense, por exemplo, no incômodo que é para alguns estar em lugar barulhento enquanto o outro diria: “que barulho?!” posso me organizar, combinar e entrar em acordo melhor sobre as características do ambiente para onde vamos. Quanto mais me conheço melhor sei até onde posso ir. E quanto mais conheço o outro, se quero conviver bem com ele, posso também ser alguém que o ajuda a administrar seus limites.

Pequenas atitudes assim de autoconhecimento e de empatia fazem toda a diferença na vida de uma pessoa e na família em que ela convive. Da próxima vez que começar a perceber um desentendimento na convivência, que tal sentarem juntos e olhar para suas lentes? Se limpar, pode ainda facilitar mais o diálogo. Podem me contar depois como foi. Grande abraço!

Padre Cleiton Vianda da Silva, presbítero da Diocese de Mogi das Cruzes (SP), é doutor em teologia moral, estudioso de psicanálise e logoterapia, autor por Paulinas Editora dos livros: Os laços entre nós. Dicas para superar as crises no matrimônio; Enfrentar as inimizades, conservar a paz. Meditação e oração para tempos de adversidade; e Confessar. O quê? Como? Por quê? Além disso, é professor de teologia moral na Faculdade Paulo VI em Mogi das Cruzes e assessora cursos e palestras. Instagram: @padrecleitonsilva

Em seu canal no YouTube, Padre Cleiton tem uma série de vídeos de formação para a família: confira neste link.