Síntese do artigo:
Perdoar não é esquecer; esquecimento é problema de saúde
Perdoar é não desejar o mal
Na ofensa que o outro me fez posso ver um espelho de mim mesmo
Como podemos superar as ofensas que sofremos? Qual o critério para perceber se perdoamos aquele que nos fez o mal, aquele que tentou nos prejudicar?
Perdoar não é esquecer; esquecimento é problema de saúde
É muito comum que alguém venha se confessar e diga: “Padre, eu acho que não consegui perdoar uma pessoa porque sempre me lembro do mal que a pessoa me fez. Estou faltando com a caridade?” Eu sempre costumo lembrar que ESQUECIMENTO não é virtude, menos ainda virtude cristã; quem esquece muito costuma ir ao médico procurar tratamento... Como devemos examinar nossa consciência quando repetidas vezes uma ofensa sofrida retorna à nossa memória? Indica por si só falta de perdão? Falta de caridade cristã? Eu tento ajudar da seguinte forma: primeiro verificar se existe desejo de vingança; caso não exista desejo de vingança, devemos verificar o que a recordação da ofensa pode ensinar à pessoa ofendida.
Perdoar é não desejar o mal
A primeira pergunta que faço à pessoa é esta: “Quando esta recordação vem à sua mente, você deseja o mal para a pessoa? Você deseja que ela sofra o mesmo que fez você sofrer?” Geralmente a resposta é um não meio assustado: “Não, padre! Deus me livre! É uma mágoa que sempre retorna.” Neste caso, não se pode considerar falta de perdão ou de caridade. Por outro lado, a ida e vinda dessa recordação pode ser um caminho de amadurecimento e de autoconhecimento. A recordação constante de uma ofensa pode indicar, pelo menos, três coisas: boa memória, espelho e orgulho inflamado.
Essas constantes recordações podem simplesmente indicar que o ofendido tem boa memória e nisto não há mal nenhum. Quando começamos a esquecer momentos fortes da nossa vida, começamos a ficar preocupados. Recordar-se é ter sua história presente e por isso mesmo ter condições de reorganizar a própria vida. A lembrança de males sofridos pode simplesmente indicar a necessidade de estar sempre atento a não passar pelas mesmas situações de novo. Também, é claro, pode ser ocasião para rezar pelo agressor, pedir sua conversão e rezar por outras pessoas que passam a mesma situação. Neste caso, a recordação é como uma ferida, ainda não cicatrizada que somente o tempo pode curar. Por isso, a oração dá à pessoa condições de recuperar a serenidade e olhar o ocorrido no horizonte maior da sua existência. Depois de alguns anos, conseguimos enxergar coisas boas em situações muito dolorosas, aprendizados, amizades descobertas. O mal foi mal, mas trouxe sim algum bem.
Na ofensa que o outro me fez posso ver um espelho de mim mesmo
Mas a recordação de uma ofensa pode indicar uma outra coisa, pode ser como um espelho. Talvez hoje eu esteja fazendo em uma proporção diferente (para mais ou para menos) o mal que sofri e não estou percebendo. É como se a consciência me chamasse a ver no outro uma atitude que hoje quem a pratica sou eu mesmo. Sofri injustiça, e hoje eu mesmo a provoco em outras pessoas. Sofri alguma forma de violência, e hoje o meu jeito de me relacionar viola o espaço do outro, seus direitos, sua palavra, sua história. Esse tipo de atitude costuma nos levar a pensar que o pecado do outro seja sempre terrível, mas o meu é apenas uma falha, uma pisada na bola. Quando olhamos na imagem do outro o nosso próprio erro, podemos de verdade nos corrigir e tomar consciência da situação. Eu recomendaria a leitura de 2Sm 11 – 12 em que se narra o pecado de Davi e a sabedoria do profeta Natan que conta o pecado de um outro para que Davi analise sua gravidade. Mas o pecado do outro era espelho do pecado de Davi...
Resumindo
Um primeiro passo para superar as ofensas sofridas é aceitar que elas feriram nossa memória porque feriram nossa história. Perdoar não é esquecer, mas é vencer o desejo de vingança.
Perdoa aquele que não deseja ao outro o mesmo mal que sofreu injustamente. Mas também devemos estar atentos sobre o quanto o mal que o outro praticou revela as sombras dentro de nós mesmos.
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